quarta-feira, 13 de maio de 2009

Ausência (Vinícius de Moraes)


Eu deixarei que morra em mim o desejo de amar os teus olhos... que são doces.

Porque nada te poderei dar, senão a mágoa de me veres eternamente exausto.

No entanto, a tua presença é qualquer coisa como a luz e a vida!

E eu sinto que em meu gesto, existe o teu gesto, e em minha voz, a tua voz.

Não te quero ter, porque em meu ser, tudo estaria terminado.

Quero só que surjas em mim, como a fé nos desesperados.

Para que eu possa levar uma gota de orvalho, nesta terra amaldiçoada.

Que ficou sobre a minha carne, como nódoa do passado.

Eu deixarei... tu irás e encostarás a tua face, em outra face.

Teus dedos, enlaçarão outros dedos, e tu desabrocharás para a madrugada.

Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu, porque eu fui o grande íntimo da noite.

Porque eu encostei minha face, na face da noite, e ouvi a tua fala amorosa.

Porque meus dedos, enlaçaram os dedos da névoa, suspensos no espaço.

E eu trouxe até mim, a misteriosa essência do teu abandono desordenado.

Eu ficarei só, como os veleiros, nos pontos silenciosos.

Mas eu te possuirei como ninguém, porque poderei partir.

E todas as lamentações do mar, do vento, do céu, das aves, das estrelas...

Serão a tua voz presente, a tua voz ausente, a tua voz serenizada.