quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Mal do século XXI (Daniela Costa)


-Qual é o seu nome?

- Nome? Não tenho apenas um. Tudo dependerá das circunstâncias.

- E quem é você?

-Sou aquela que pobres, ricos, negros, brancos, cultos ou ignorantes, políticos ou simples cidadãos, “todos”, sem exceção, temem. Mas, “de certa forma”, todos contribuem para que eu exista.

-E o que você faz?

-Eu não faço nada, as pessoas fazem por mim.

-Como assim?

-Eu só entro, quando encontro a porta aberta. Só atuo, onde alguém consciente ou não, permite. Tenho livre acesso na periferia, nas classes médias e altas. Aliás, meu local predileto é no meio de gente de colarinho branco, que anda todo cheio de pompa, de não me toque. No meio dessa gente, me dou muito bem, pois aproveito para utilizar alguns mecanismos para alcançar meus objetivos.

-Que mecanismos são esses?

-Observo qual é o ponto fraco de cada um. Em alguns, observo insatisfação, falta de coragem, de atitude, de objetivo. Mas eu me simpatizo mesmo é com aqueles egoístas, gananciosos, pervertidos. Aqueles que não possuem referência de Deus, de fé, de respeito ao seu semelhante, de limites, de compaixão. Com estes, eu me esbaldo. Uso e abuso. Porque sei que eles não resistirão às minhas sugestões, às minhas investidas. Sei que antes de pensarem em seu próximo, pensarão em si mesmos. Sei também que para alcançarem suas metas, não medirão esforços, nem se sentirão constrangidos em cometer algum ato ilícito.

-Mas que pessoas são essas?

-São aquelas que compram um baseadinho ali na esquina, sem pensarem que estão financiando o tráfico de drogas. Aquelas, “otárias”, que fumam maços e maços de cigarros, e não percebem que além de estarem acabando com suas vidas, também estão adoecendo pessoas inocentes e colaborando para empobrecer o seu país. Lotam os corredores dos hospitais para se tratarem de câncer de pulmão, assim como enriquecem homens inescrupulosos.
Algumas destas pessoas podem ser vistas contrabandeando animais, desmatando florestas, “ali”, na queridinha Amazônia. Tão querida, que ninguém cuida dela. Gosto muito daquelas que se escondem dentro de um gabinete, e ditam normas, regras, leis. Estas são as piores. Justificam-se dizendo que estão cuidando do que é do povo, e não exitam em mentir, enganar, praticar corrupção, mensalão, aumentar seus próprios salários, e tudo do jeito que eu gosto, com a maior crueldade possível. É, porque de bandido de morro, favela, aglomerado, vila, ou seja o que for ... já se espera de tudo. Mas daqueles lá não. Tirar comida da boca de criança, fazer com que não tenham direito a casa, saúde, educação; isso para eles é fichinha. Afinal, eles têm que engordar uma continha no exterior, com “dinheiro do povo, é claro”.
Isto é o que me faz sobreviver. Por meio de pessoas assim, é gerada toda essa desigualdade, toda essa decadência e miséria humana. E isso me fortalece a cada dia.

-Quer dizer que todos somos culpados por você existir?

-É claro!

-Mas por quê?

-Porque todo aquele que é conivente, que é omisso de suas responsabilidades como cidadão, que aceita os despautérios dos políticos, governantes, do crime organizado, da máfia, do contrabando... Todos são culpados!
Todo aquele que se cala, que não luta por uma sociedade mais justa, que se deixa dominar pelo medo, por dinheiro, por covardia... É culpado!
Todo aquele que apóia o errado, “porque afinal”, é uma coisinha tão pequena, né? É culpado!
Aquele que vê as crianças sofrendo maus tratos, sendo assediadas por pedófilos, sendo torturadas por pessoas acima de suspeita, sendo arrastadas quarteirões a fora, e não se manifestam... São culpados!
Aqueles que deixam seus idosos serem desrespeitados, roubados, abandonados... São culpados!
Que deixam suas mulheres serem violentadas, espancadas, mortas; e não tomam nenhuma atitude... São culpados!
Aquele que acha que roubar um pouquinho só, não faz mal... Que prejudicar seu semelhante não faz mal... Que torturar seres humanos, não faz mal... Que provocar guerras, não faz mal... Que tirar a vida de “um”, ou de “um milhão” de pessoas, não faz mal... Todos são conscientemente culpados!
Aquele que anda de carro importado, que mora em apto de luxo, que gasta uma fortuna com salão de beleza para sua mulher, brinquedos importados para o seu filho, escola de balé para a filha, mensalidades de colégios caríssimos, cotas de clubes exorbitantes, sapatos e roupas de grifes; casa de praia, viagens ao exterior... Aquele que tem dinheiro para tudo isso, mas que não possui a consciência de que milhões de pessoas no Brasil morrem de fome, de sede, e não tem onde morar... São culpados!
E mais culpados ainda, são aqueles que gastam rios de água potável lavando carro, calçada, e deixam que o líquido mais precioso do planeta, vá literalmente pelo ralo. Culpados, por fazerem com que sua casa se assemelhe a uma árvore de natal, de tão iluminada, enquanto muitos vivem no escuro. Culpados por desperdiçarem alimentos, por não ensinarem a seus filhos a importância da alimento, por os criarem como se fossem reis, ou verdadeiros tiranos, que se preocupam somente consigo mesmos, e só enxergam seu próprio umbigo. Vocês são todos culpados!

-E aqueles que são pobres, sem recursos, também são culpados?

-Culpados! Por achar que pobreza é sinônimo de vergonha, de mal caratismo. Que ser pobre é desculpa para se tornar ladrão, viciado, laranja, malandro, bandido. Que pobreza é o aval para entrar para o tráfico, para o roubo, para praticar a tortura, a covardia. Que é a desculpa para poderem aliciar menores, incentivar o uso de armas de fogo. Culpados por banalizar a vida!

-E a mídia, é culpada?

-Culpada! Por divulgar a pornografia, incentivar a prostituição, o sexo desenfreado, a desvalorização da família, a traição, o abandono dos filhos, a pedofilia. Por incentivar o consumo desmedido, por colaborar para o vazio que se instala dentro das pessoas, que já não encontram nada que os satisfaçam. Que vêem suas vidas invadidas por coisas supérfluas que lhes tiram a satisfação de ter uma vida simples. Afinal, para ser feliz, é preciso ser rico e importante, não é?

-Você diz que somos culpados por você existir, mas quem é você?
-Eu?! Sou a consequência de tudo, sou o resultado, o saldo negativo. Sou o fruto dos desmandos dos homens, de seus instintos perversos. Sou a razão do caos que se instala dia a dia no mundo inteiro, que aterroriza a sociedade, que atormenta cada indivíduo. Que lhes tira a liberdade, a autoconfiança e o sossego. Que os aprisiona em seus próprios lares, em suas próprias neuras, incertezas e inseguranças. Sou eu quem os sufoca. Quem os manipula, os dirige, pois todos fazem “tudo” pensando em mim. Com medo da minha presença e do que eu possa provocar.

Eu... sou o “Mal do século XXI” ... e dos séculos que estão por vir...

EU... SOU A VIOLÊNCIA!

3 comentários:

  1. Daniela, nossa !!!! Meus parabéns, adorei seu texto. Não poderia esperar outra coisa vindo de uma mulher com personalidade tão forte quanto a sua. Uma mulher forte, batalhadora e que encara a vida de frente.

    Meus parabéns, você brilhou !!!!!!

    Jornalista Décio Amorim.
    Assessor de Imprensa

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  2. Obrigada Décio, estava mesmo aguardando sua visita! Fico muito feliz que vc tenha gostado.

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  3. Oi Dani,

    Adorei sua crônica! Bem elaborada, e toca no ponto fraco de nossa sociedade. Tão desnorteada no que se refere a violência, respeito e amor ao próximo.
    E o blog também. Um tema que envolvem muita gente e nem sempre refletimos sobre ele.
    Grande bj

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